VIRTUALINO
Corre aflita, derrubando filhos, cachorros, marido... pela casa adentro .
Pra ligar o computador, desesperada e como sempre necessitada, para ver logo sua florzinha verde brilhante a denunciar : On-Line no ICQ.
-Sim, quer um chat com ele, o Virtualino, logo-logo , pra ontem !!!...
Enquanto a máquina vai acordando, sonolenta, como que se espreguiçando, abrindo mil besteiras na sua área de trabalho repleta ( bolsa de mulher e área de trabalho ....Ah !....quanta semelhança ....), empurra pra dentro um sanduíche enorme de saudades goela abaixo, com uma Coca-Cola gelada de ansiedade, derramando amarronzados em sua blusa branca posta há pouco.
Depois dessa lenga-lenga toda, finalmente aquele hediondo apito de trem da inicialização do ICQ ecoa pela casa toda : ela está conectada a 46.666 bps , sem banda larga que o marido não paga nem por decreto pois tem um ódio da maldita Internet da mulher !
Coloca sua senha ultrasecreta ( cheia de # e asteriscos , mil sinais loucos que lê da cola , bem escondidinha no sutiã 42 apertado ) e a florzinha yellow - green - red girando, girando... enquanto seu coração pula pela boca àfora, sobressaltado....
Mas, de repente , cadê o Virtualino que se esconde atrás de uma florida DND ( Do not Disturbe ) maldita, criando um muro impenetrável entre eles dois ?
Fica ali, bestificada, esparramada pela cadeira giratória, sabendo-o alí On-Line , bandido !, traidor !, Zé Galinha galinhando com todas as gentes do mundo...menos ela !
Pensa nervosamente : maldito amor virtual que faz sua raiva ser REAL, irracionalidade por se fazer de besta, traindo a tudo , a todos e a si mesma ! E logo ela que não acreditava em coisas da Internet estava agora vício-apaixonada perdidamente neste jogo das ilusões.
Mas de repente, pluft ! , ele entra On-Line. Vem aquele familiar toc-toc e a voz esganiçada daquela cabritinha do ICQ a lhe chamar ( seria um pato morrendo , pássaro engasgado ?... " Qual-qual....qual-qual... ", no som indefectível da campanhia de chamamento do ICQ ).
Numa mensagem com direito a fundo rosa dos amantes virtuais, antecedida com uma carinha de anjinho sapeca, ele tecla em marinho :
- Oi, cê tá aí ? Psssiu !....
E ela, espavorita, cúmplice, trocando tudo que é letra, responde :
- Hooooiiii !... Tô aqui sim !....É você mesmo, Virtualino ?
E lá vão eles , então, meninos, aflitos, inocentes, soltos, a brincar de gostar !...
Adolescendo -se !...
Realmente, iludidos um do outro como todos nós, os amantes virtuais !...