Ciúme: dá para controlar?
Um
sentimento ligado ao amor, mas que freqüentemente traz dor e angústia, o
ciúme é o medo de se perder alguma coisa – um receio de que o ser amado
se dedique a outro, por exemplo.
Na Filosofia, o ciúme aparece sempre no contexto de uma discussão geral das paixões, em especial daquelas ligadas à amizade e ao amor.
Na Filosofia, o ciúme aparece sempre no contexto de uma discussão geral das paixões, em especial daquelas ligadas à amizade e ao amor.
E
aí há dois grupos distintos: os que acreditam ser preciso extirpar as
paixões, já que não podemos controlá-las, e aqueles que afirmam ser
possível e vantajoso governá-las por meio da razão. A forma como devemos
lidar com o ciúme, de acordo com a Filosofia, vaga entre estas duas
linhas. A origem etimológica da palavra ciúme vem do latim zelumen e do
grego zelos, por isso, muitas vezes ele é encarado como uma prova de
amor, de cuidado com o outro.
E daí vem grande parte da controvérsia sobre ser o ciúme algo bom ou ruim, já que, em excesso, ele pode trazer sofrimento tanto para quem o sente quanto para quem é vítima desta paixão. Em geral, as reflexões filosóficas sobre o ciúme o aproximam do amor e do ódio. É o que aparece nas Máximas de La Rochefoucauld, quando este diz que “o ciúme sempre nasce com o amor, mas nem sempre morre com o amor”.
Esta frase aponta para o caráter ambivalente do ciúme: começa visando um valor positivo, mas pode se converter na adesão a um valor negativo. É possível dizer que o ciúme tem, inicialmente, uma aparência louvável, por ser natural ao sentimento de amor. “Gostar de alguém ou de alguma coisa implica zelar por sua segurança ou por sua continuidade. Seu caráter ‘zeloso’, porém, facilmente se converte em um sentimento negativo, ao adquirir uma forma possessiva que suprime o caráter positivo desta ‘afeição’, resultando em egoísmo e prepotência ou em insegurança e temor”, afirma Carlos Matheus, doutor em Filosofia e professor titular do Departamento de Filosofia da PUC-SP.
Segundo Descartes, o ciúme tanto pode ser positivo quanto negativo. É positivo quando é apenas zeloso e o que se procura preservar é de real importância, e negativo quando está associado ao egoísmo ou à insegurança. Já Espinosa entende o ciúme como algo apenas negativo: é uma tristeza decorrente da ameaça de uma perda. Mesmo dizendo que o ciúme está relacionado ao sentimento do amor, diz que se converte em ódio sempre que a relação amorosa parece ameaçada. Espinosa acrescenta o seguinte aspecto negativo ao ciúme: o ciumento tende a adquirir aversão pela pessoa amada.
Medo irracional
Os estóicos, de acordo com o que escreve Diógenes Laércio em Vida e obra dos filósofos ilustres (Cap. VII), incluíam o ciúme entre as “contrações irracionais da alma”. Referindo-se a uma obra de Crisipo sobre as paixões, Diógenes afirma que o ciúme está entre os temores relacionados à expectativa de um mal que escapa ao controle da razão. Descartes dizia que o ciúme é uma espécie de temor relacionado ao desejo que se tem de conservar a posse de algum bem Descartes também enfatiza o lado irracional do ciúme: “o ciúme não decorre da força das razões que permitem julgar que este bem possa ser perdido e sim de uma suposição que faz a respeito do que se julga que pode ser perdido” (Descartes, Tratado das Paixões, art. 167).
No mesmo Tratado, Descartes define o ciúme como “uma espécie de temor relacionado ao desejo que se tem de conservar a posse de algum bem”. Para Matheus, Espinosa vai além de Descartes, ao aproximar o ciúme da inveja, dizendo ser “um sentimento simultâneo de amor e de ódio acompanhado da idéia de outro de quem se tem inveja” (Ética, III, Escólio da Proposição 35).
Espinosa define a inveja como sendo “uma tristeza diante da felicidade de alguém” (Ética, III, 23), sendo o ciúme resultante da “imaginação de que a coisa amada se une a outro, de modo a impedir fruí-la sozinho” (Ética, III, Proposição 35).
O ciúme tem sido relacionado, em várias ocasiões, à inveja por ser um sofrimento decorrente do sentimento de inferioridade em relação a alguém. Como a inveja, o ciúme também provoca sofrimento em quem não se sente merecedor de algum prêmio, conquista ou aquisição. Os pensadores do século XVIII mantiveram esta visão. O ciúme como sendo um modo pelo qual o ser humano se coloca em inferioridade em relação aos demais.
Este é o ponto de vista de Adam Smith, exposto em sua Teoria dos Sentimentos Morais e de Immanuel Kant, em suas Lições de Ética. “Embora não se refiram especialmente ao ciúme, ambos apontam a inveja como uma conduta na qual há um desejo de alterar a relação entre sua felicidade e a dos outros. Seria possível aplicar ao ciúme o que diz Kant da inveja: um modo irracional de querer ser feliz”. Só o Romantismo irá quebrar essa visão racionalista a respeito do ciúme. Surge a paixão romântica, na qual o amor rima com a dor, como duas faces do mundo emocional. “Há uma canção popular na qual se expressa esta visão romântica do ciúme: ‘o ciúme é o perfume da flor, o ciúme é o queixume da dor’”, comenta Matheus.
Para o Romantismo, o ciúme tanto faz parte das emoções como também dos sofrimentos que cercam os sentimentos humanos. Na vida ou na arte não faltam exemplos de histórias sobre ciumentos. É um sentimento que aparece com freqüência nas relações humanas, quer seja nas relações amorosas entre homem e mulher como também nas lutas pelo poder político, nas disputas econômicas e nos congressos científicos. Nas relações familiares são freqüentes as cenas de ciúmes, especialmente entre irmãos, como aquela narrada pela Bíblia, entre Caim e Abel. Os amantes trazem muitos problemas ao amado, que estariam ligados a uma paixão excessiva que se traduziria em ciúme
E daí vem grande parte da controvérsia sobre ser o ciúme algo bom ou ruim, já que, em excesso, ele pode trazer sofrimento tanto para quem o sente quanto para quem é vítima desta paixão. Em geral, as reflexões filosóficas sobre o ciúme o aproximam do amor e do ódio. É o que aparece nas Máximas de La Rochefoucauld, quando este diz que “o ciúme sempre nasce com o amor, mas nem sempre morre com o amor”.
Esta frase aponta para o caráter ambivalente do ciúme: começa visando um valor positivo, mas pode se converter na adesão a um valor negativo. É possível dizer que o ciúme tem, inicialmente, uma aparência louvável, por ser natural ao sentimento de amor. “Gostar de alguém ou de alguma coisa implica zelar por sua segurança ou por sua continuidade. Seu caráter ‘zeloso’, porém, facilmente se converte em um sentimento negativo, ao adquirir uma forma possessiva que suprime o caráter positivo desta ‘afeição’, resultando em egoísmo e prepotência ou em insegurança e temor”, afirma Carlos Matheus, doutor em Filosofia e professor titular do Departamento de Filosofia da PUC-SP.
Segundo Descartes, o ciúme tanto pode ser positivo quanto negativo. É positivo quando é apenas zeloso e o que se procura preservar é de real importância, e negativo quando está associado ao egoísmo ou à insegurança. Já Espinosa entende o ciúme como algo apenas negativo: é uma tristeza decorrente da ameaça de uma perda. Mesmo dizendo que o ciúme está relacionado ao sentimento do amor, diz que se converte em ódio sempre que a relação amorosa parece ameaçada. Espinosa acrescenta o seguinte aspecto negativo ao ciúme: o ciumento tende a adquirir aversão pela pessoa amada.
Medo irracional
Os estóicos, de acordo com o que escreve Diógenes Laércio em Vida e obra dos filósofos ilustres (Cap. VII), incluíam o ciúme entre as “contrações irracionais da alma”. Referindo-se a uma obra de Crisipo sobre as paixões, Diógenes afirma que o ciúme está entre os temores relacionados à expectativa de um mal que escapa ao controle da razão. Descartes dizia que o ciúme é uma espécie de temor relacionado ao desejo que se tem de conservar a posse de algum bem Descartes também enfatiza o lado irracional do ciúme: “o ciúme não decorre da força das razões que permitem julgar que este bem possa ser perdido e sim de uma suposição que faz a respeito do que se julga que pode ser perdido” (Descartes, Tratado das Paixões, art. 167).
No mesmo Tratado, Descartes define o ciúme como “uma espécie de temor relacionado ao desejo que se tem de conservar a posse de algum bem”. Para Matheus, Espinosa vai além de Descartes, ao aproximar o ciúme da inveja, dizendo ser “um sentimento simultâneo de amor e de ódio acompanhado da idéia de outro de quem se tem inveja” (Ética, III, Escólio da Proposição 35).
Espinosa define a inveja como sendo “uma tristeza diante da felicidade de alguém” (Ética, III, 23), sendo o ciúme resultante da “imaginação de que a coisa amada se une a outro, de modo a impedir fruí-la sozinho” (Ética, III, Proposição 35).
O ciúme tem sido relacionado, em várias ocasiões, à inveja por ser um sofrimento decorrente do sentimento de inferioridade em relação a alguém. Como a inveja, o ciúme também provoca sofrimento em quem não se sente merecedor de algum prêmio, conquista ou aquisição. Os pensadores do século XVIII mantiveram esta visão. O ciúme como sendo um modo pelo qual o ser humano se coloca em inferioridade em relação aos demais.
Este é o ponto de vista de Adam Smith, exposto em sua Teoria dos Sentimentos Morais e de Immanuel Kant, em suas Lições de Ética. “Embora não se refiram especialmente ao ciúme, ambos apontam a inveja como uma conduta na qual há um desejo de alterar a relação entre sua felicidade e a dos outros. Seria possível aplicar ao ciúme o que diz Kant da inveja: um modo irracional de querer ser feliz”. Só o Romantismo irá quebrar essa visão racionalista a respeito do ciúme. Surge a paixão romântica, na qual o amor rima com a dor, como duas faces do mundo emocional. “Há uma canção popular na qual se expressa esta visão romântica do ciúme: ‘o ciúme é o perfume da flor, o ciúme é o queixume da dor’”, comenta Matheus.
Para o Romantismo, o ciúme tanto faz parte das emoções como também dos sofrimentos que cercam os sentimentos humanos. Na vida ou na arte não faltam exemplos de histórias sobre ciumentos. É um sentimento que aparece com freqüência nas relações humanas, quer seja nas relações amorosas entre homem e mulher como também nas lutas pelo poder político, nas disputas econômicas e nos congressos científicos. Nas relações familiares são freqüentes as cenas de ciúmes, especialmente entre irmãos, como aquela narrada pela Bíblia, entre Caim e Abel. Os amantes trazem muitos problemas ao amado, que estariam ligados a uma paixão excessiva que se traduziria em ciúme
“Seria
possível, também, dizer que até os deuses experimentam o sentimento do
ciúme, como teria sido o caso do castigo sofrido por Prometeu. O ciúme
de Menelau, face ao rapto de Helena, por Páris, teria sido a causa da
Guerra de Tróia. E várias tragédias de Shakespeare ou de Racine revelam
sua presença como um fator oculto de caráter emocional, tornando quase
sempre ausentes as condutas racionais”, menciona Matheus. O ciúme
também é tema recorrente dentre os filósofos que estudam as paixões e as
emoções humanas.
Ele é discutido, por exemplo, no Fedro, diálogo no qual Platão se refere aos conflitos entre amantes, nos quais o ciúme os torna violentos, criando uma relação semelhante ao modo como o lobo ama o cordeiro. O Discurso de Lísias Fernando Santoro, professor da Faculdade de Filosofia da UFRJ, explica que neste diálogo, Fedro e Sócrates estão lendo o discurso de um amigo, chamado Lísias. Este havia escrito um pequeno discurso sobre o amor e levantado a tese de que é mais conveniente para o amado ter uma relação amorosa com alguém que não é amante (que não o ama) do que com alguém que é amante (que o ama de verdade). Isto porque os amantes trazem muitos problemas ao amado.
E esses problemas estariam ligados a uma paixão excessiva que se traduziria justamente em ciúme. De acordo com o raciocínio de Lísias, o aman te muito apaixonado começa a tolher as amizades do amado, a querer o amado só para si, a não querer que ele pareça belo ou bom, justamente porque isso vai atrair a atenção dos outros. E ele acaba sendo prejudicial ao amado, porque é demasiadamente apaixonado por ele. Sócrates irá se contrapor a Lísias. “Ele vai dizer que a situação apaixonada do amante não é necessariamente prejudicial e nem todo mundo que está apaixonado e em delírio, de alguma forma, é alguém que age de modo ruim. Ele vai fazer um elogio, não apenas da condição apaixonada, mas também da condição delirante, que em determinadas situações faz que os homens pratiquem coisas melhores do que simplesmente contidos na razão”, explica Santoro. A idéia do filósofo ateniense é mostrar que a paixão não necessariamente cria a situação do ciúme, de um amor doentio.
Para Sócrates, a paixão pode ser positiva, alguma coisa que traz bens da ordem do divino, do sobrenatural, do mais que humano, diz Santoro. O que não quer dizer que Sócrates faça uma apologia ao ciúme. Pelo contrário. “O ciúme ali foi descrito como ações que prejudicam o amado. Sócrates, sem dúvida, não seria alguém que elogia o ciúme”, diz. Visão de Freud Freud classifica vários tipos e graus de ciúme. o primeiro seria o ciúme devido à concorrência com o rival, que inclui uma ferida narcísica. esse tipo se deve mais a uma questão de narcisismo, de se perder o ser amado, e de uma competição pessoal com o outro – de modo que, num aspecto ou no outro, o que está em questão é mais o amor próprio do que o amor ao outro, explica André Martins, filósofo e psicanalista, doutor em Filosofia e em teoria Psicanalítica e professor associado da UFRJ, onde coordena o Grupo de Pesquisas Spinoza & Nietzsche.
O segundo tipo seria o ciúme originado da projeção no outro de seus próprios desejos de infidelidade, realizados ou não. Algo como: se desejamos ter outras relações, supomos, inconscientemente, por uma projeção paranóide, que o outro deseja o mesmo. Já o terceiro tipo, que Freud considera delirante, descreve Martins, teria como origem uma homossexualidade negada, como uma forma de se dizer, inconscientemente, que não é ele que ama o rival, mas ela. “O que Freud diz do ciúme, assim como o que espinosa diz, constituem abordagens preciosas, embora breves, da questão que, certamente, merece uma reflexão maior. Afinal, é um incômodo afeto que causa muito mal a todos nós em qualquer cultura e época da história”, diz o filósofo e psicanalista.
Paixões
Sócrates não condena as paixões e, sim, a exacerbação do ciúme – uma das paixões. Santoro explica que sempre que a Filosofia pensou o homem, a constituição do humano, especialmente da alma humana, as paixões entraram como um lugar de problematização importante. Isso desde o início da Filosofia. “Se há uma coisa que sempre se percebeu – e os filósofos sempre atentaram para isso – é que a natureza humana é constituída também das paixões, de como ela é afetada pelo mundo e de como ela responde ao modo como ela é afetada”, explica.
O conceito de paixão como sofrimento ou como algo que nos atinge vindo de fora tem sua origem na Grécia antiga. Os gregos denominavam pathos toda força ou ação externa ao sujeito que provoca neste uma redução de sua capacidade de agir, explica Matheus. Enfim, ‘pathos’ é o mesmo que ‘dor’. E toda dor, admitia-se, tem sempre alguma origem externa à vontade. Referências às paixões humanas encontram-se tanto em Platão e Aristóteles quanto entre os epicuristas e os estóicos. Epicuro foi um filósofo que se dedicou especialmente ao tema, por partir do pressuposto de que a vida humana é fundamentalmente marcada pela dor. Para os latinos – como Cícero, por exemplo – as paixões são entendidas como afecções (affectio), isto é, como efeitos externos que causam perturbações ou comoções decorrentes de condutas contrárias à razão.
O significado desta palavra só vai ser alterado no Romantismo – assim como a conotação ambivalente e fugidia que o ciúme adquire, como mencionamos acima quando se atribui às paixões o sentido de emoções intensas ou profundas que impulsionam a vontade em busca de metas visíveis ou remotas. Como diz Hegel, “sem paixão não se faz história”. Esta herança romântica permanece no vocabulário contemporâneo. “No período atual, paixão conserva um significado ambíguo, como se encontra em Jankélévitch e Sponville.
Paixão ficou mais próxima da virtude e mais distante da dor”, explica Matheus. Toda essa discussão sobre o conceito de paixão para falar sobre o ciúme se justifica porque vão existir, na história da filosofia, dois modelos de pensamento: um vai condenar as paixões, tentar abolilas – estando o ciúme aí incluído –, e outro, na linha contrária, irá defender a moderação destas, isto é, chegar a uma medida que não seja excessiva e nem também faltosa. Este último é o modelo aristotélico, por exemplo. Ou o modelo do tipo socrático ou platônico, em que a razão governa as paixões. Isto é, as paixões a serviço da razão.
A razão pode tanto determinar o momento de maior paixão quanto de menor paixão de acordo com o que ela entenda que seja o melhor, o mais virtuoso. Os estóicos, em oposição, acreditam que as paixões perturbam a alma e que a virtude se alcança por uma exclusão, extirpação do afeto, das paixões. Segundo os estóicos, “a virtude consiste em não se deixar atingir por temores ou esperanças externas”, explica Matheus. Na Filosofia moderna e contemporânea tem sido enfatizada a anterioridade e até mesmo a independência do mundo emocional em relação à razão. “O que se diz é que os sentimentos positivos, como o amor, a alegria e o prazer, e também os sentimentos negativos, como o ódio, a tristeza e a dor, escapam ao controle da razão”, afirma Matheus.
O Ciúmes em Machado de Assis e Shakespeare Obra do realismo brasileiro, Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis, é um dos célebres exemplos da literatura em que o ciúme apresenta-se como tema preponderante. O narrador-personagem, Bentinho, acredita, sem ter certeza, que a esposa capitu, a mulher com “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, o teria traído com seu melhor amigo, escobar.
Mesmo depois de morto o amigo, o ciúme torna-se a obsessão e faz que Bento odeie o filho, que tem muitas semelhanças com seu amigo, e mande capitu para a europa, onde também morre. Usando de intertextualidade, Machado de Assis traz como exemplo em sua obra outros casos de ciúme na literatura universal, como em Otelo, o mouro de Veneza, obra de shakespeare.
O narrador se coloca no lugar de otelo, um general ciumento, e compara capitu a Desdêmona, a esposa de otelo, que era suspeita de tê-lo traído, mas na verdade não o traiu. Por causa das tramas de seu alferes, Iago, otelo desconfiou de um romance entre a esposa e cássio. otelo então a mata, mas depois de descobrir a verdade, mata a próprio.
Afetos passivos
Ele é discutido, por exemplo, no Fedro, diálogo no qual Platão se refere aos conflitos entre amantes, nos quais o ciúme os torna violentos, criando uma relação semelhante ao modo como o lobo ama o cordeiro. O Discurso de Lísias Fernando Santoro, professor da Faculdade de Filosofia da UFRJ, explica que neste diálogo, Fedro e Sócrates estão lendo o discurso de um amigo, chamado Lísias. Este havia escrito um pequeno discurso sobre o amor e levantado a tese de que é mais conveniente para o amado ter uma relação amorosa com alguém que não é amante (que não o ama) do que com alguém que é amante (que o ama de verdade). Isto porque os amantes trazem muitos problemas ao amado.
E esses problemas estariam ligados a uma paixão excessiva que se traduziria justamente em ciúme. De acordo com o raciocínio de Lísias, o aman te muito apaixonado começa a tolher as amizades do amado, a querer o amado só para si, a não querer que ele pareça belo ou bom, justamente porque isso vai atrair a atenção dos outros. E ele acaba sendo prejudicial ao amado, porque é demasiadamente apaixonado por ele. Sócrates irá se contrapor a Lísias. “Ele vai dizer que a situação apaixonada do amante não é necessariamente prejudicial e nem todo mundo que está apaixonado e em delírio, de alguma forma, é alguém que age de modo ruim. Ele vai fazer um elogio, não apenas da condição apaixonada, mas também da condição delirante, que em determinadas situações faz que os homens pratiquem coisas melhores do que simplesmente contidos na razão”, explica Santoro. A idéia do filósofo ateniense é mostrar que a paixão não necessariamente cria a situação do ciúme, de um amor doentio.
Para Sócrates, a paixão pode ser positiva, alguma coisa que traz bens da ordem do divino, do sobrenatural, do mais que humano, diz Santoro. O que não quer dizer que Sócrates faça uma apologia ao ciúme. Pelo contrário. “O ciúme ali foi descrito como ações que prejudicam o amado. Sócrates, sem dúvida, não seria alguém que elogia o ciúme”, diz. Visão de Freud Freud classifica vários tipos e graus de ciúme. o primeiro seria o ciúme devido à concorrência com o rival, que inclui uma ferida narcísica. esse tipo se deve mais a uma questão de narcisismo, de se perder o ser amado, e de uma competição pessoal com o outro – de modo que, num aspecto ou no outro, o que está em questão é mais o amor próprio do que o amor ao outro, explica André Martins, filósofo e psicanalista, doutor em Filosofia e em teoria Psicanalítica e professor associado da UFRJ, onde coordena o Grupo de Pesquisas Spinoza & Nietzsche.
O segundo tipo seria o ciúme originado da projeção no outro de seus próprios desejos de infidelidade, realizados ou não. Algo como: se desejamos ter outras relações, supomos, inconscientemente, por uma projeção paranóide, que o outro deseja o mesmo. Já o terceiro tipo, que Freud considera delirante, descreve Martins, teria como origem uma homossexualidade negada, como uma forma de se dizer, inconscientemente, que não é ele que ama o rival, mas ela. “O que Freud diz do ciúme, assim como o que espinosa diz, constituem abordagens preciosas, embora breves, da questão que, certamente, merece uma reflexão maior. Afinal, é um incômodo afeto que causa muito mal a todos nós em qualquer cultura e época da história”, diz o filósofo e psicanalista.
Paixões
Sócrates não condena as paixões e, sim, a exacerbação do ciúme – uma das paixões. Santoro explica que sempre que a Filosofia pensou o homem, a constituição do humano, especialmente da alma humana, as paixões entraram como um lugar de problematização importante. Isso desde o início da Filosofia. “Se há uma coisa que sempre se percebeu – e os filósofos sempre atentaram para isso – é que a natureza humana é constituída também das paixões, de como ela é afetada pelo mundo e de como ela responde ao modo como ela é afetada”, explica.
O conceito de paixão como sofrimento ou como algo que nos atinge vindo de fora tem sua origem na Grécia antiga. Os gregos denominavam pathos toda força ou ação externa ao sujeito que provoca neste uma redução de sua capacidade de agir, explica Matheus. Enfim, ‘pathos’ é o mesmo que ‘dor’. E toda dor, admitia-se, tem sempre alguma origem externa à vontade. Referências às paixões humanas encontram-se tanto em Platão e Aristóteles quanto entre os epicuristas e os estóicos. Epicuro foi um filósofo que se dedicou especialmente ao tema, por partir do pressuposto de que a vida humana é fundamentalmente marcada pela dor. Para os latinos – como Cícero, por exemplo – as paixões são entendidas como afecções (affectio), isto é, como efeitos externos que causam perturbações ou comoções decorrentes de condutas contrárias à razão.
O significado desta palavra só vai ser alterado no Romantismo – assim como a conotação ambivalente e fugidia que o ciúme adquire, como mencionamos acima quando se atribui às paixões o sentido de emoções intensas ou profundas que impulsionam a vontade em busca de metas visíveis ou remotas. Como diz Hegel, “sem paixão não se faz história”. Esta herança romântica permanece no vocabulário contemporâneo. “No período atual, paixão conserva um significado ambíguo, como se encontra em Jankélévitch e Sponville.
Paixão ficou mais próxima da virtude e mais distante da dor”, explica Matheus. Toda essa discussão sobre o conceito de paixão para falar sobre o ciúme se justifica porque vão existir, na história da filosofia, dois modelos de pensamento: um vai condenar as paixões, tentar abolilas – estando o ciúme aí incluído –, e outro, na linha contrária, irá defender a moderação destas, isto é, chegar a uma medida que não seja excessiva e nem também faltosa. Este último é o modelo aristotélico, por exemplo. Ou o modelo do tipo socrático ou platônico, em que a razão governa as paixões. Isto é, as paixões a serviço da razão.
A razão pode tanto determinar o momento de maior paixão quanto de menor paixão de acordo com o que ela entenda que seja o melhor, o mais virtuoso. Os estóicos, em oposição, acreditam que as paixões perturbam a alma e que a virtude se alcança por uma exclusão, extirpação do afeto, das paixões. Segundo os estóicos, “a virtude consiste em não se deixar atingir por temores ou esperanças externas”, explica Matheus. Na Filosofia moderna e contemporânea tem sido enfatizada a anterioridade e até mesmo a independência do mundo emocional em relação à razão. “O que se diz é que os sentimentos positivos, como o amor, a alegria e o prazer, e também os sentimentos negativos, como o ódio, a tristeza e a dor, escapam ao controle da razão”, afirma Matheus.
O Ciúmes em Machado de Assis e Shakespeare Obra do realismo brasileiro, Dom Casmurro (1899), de Machado de Assis, é um dos célebres exemplos da literatura em que o ciúme apresenta-se como tema preponderante. O narrador-personagem, Bentinho, acredita, sem ter certeza, que a esposa capitu, a mulher com “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”, o teria traído com seu melhor amigo, escobar.
Mesmo depois de morto o amigo, o ciúme torna-se a obsessão e faz que Bento odeie o filho, que tem muitas semelhanças com seu amigo, e mande capitu para a europa, onde também morre. Usando de intertextualidade, Machado de Assis traz como exemplo em sua obra outros casos de ciúme na literatura universal, como em Otelo, o mouro de Veneza, obra de shakespeare.
O narrador se coloca no lugar de otelo, um general ciumento, e compara capitu a Desdêmona, a esposa de otelo, que era suspeita de tê-lo traído, mas na verdade não o traiu. Por causa das tramas de seu alferes, Iago, otelo desconfiou de um romance entre a esposa e cássio. otelo então a mata, mas depois de descobrir a verdade, mata a próprio.
Afetos passivos
André
Martins, filósofo e psicanalista, doutor em Filosofia e em Teoria
Psicanalítica e professor associado da UFRJ, explica que para a tradição
filosófica todos os afetos eram considerados paixões: afetos passivos,
contrários à razão e, portanto, como seu negativo, seu oposto, não
podendo por ela serem pensados. Ele menciona, como exemplo, Descartes,
que considera que as paixões são idéias tornadas obscuras e confusas
pela intromissão do corpo junto ao pensamento: “onde o corpo age, a alma
padece, e vice-versa”, diz ele. Para que a alma pense com clareza, crê
Descartes, é preciso “pensar de forma isolada dos afetos”.
Espinosa concordará com essa idéia.
Quando pensamos sob o efeito de afetos passivos nossos pensamentos serão
obscuros e confusos. Contudo, isso não se deve aos afetos em geral,
pois buscar pensar sem eles, ou de uma forma dissociada, é buscar pensar
de forma separada da realidade, o que é efetivamente impossível,
consistindo em um erro da mente e gerando idéias falsas sobre as coisas.
“A moral em geral baseia-se nesse erro, que Nietzsche chamou de uma
tentativa de ‘corrigir’ a existência. A idéia é que não adianta maldizer
a natureza humana, afetiva e passional, mas compreendê-la para tirar
melhor proveito dela”, explica Martins. No caso do ciúme, a relação com
a razão só pode se dar tardiamente, após sua percepção e sua vivência.
“É claro que uma postura emocional
equilibrada envolve sempre uma disposição da mente para assumir o
controle de suas emoções, justificando ou superando seus efeitos
opressivos, seja por meio de processos de sublimação como também por
meio de um ajustamento da vontade ao plano dos conceitos racionais, tal
como Kant os indica, em sua Teoria da razão prática. Enfim, a
interpretação racional das paixões é um traço do pensamento iluminista
que se perdeu com o romantismo”, explica o professor. Superação do
ciúme passa por investigar sua origem É sempre possível investigar
racionalmente – ao sentir ciúme – a origem do temor diante da ameaça de
perda.
Mais do que possível, é necessário.
Isto porque é preciso saber se o ciúme envolve algum valor positivo ou
valor negativo. segundo Descartes, o ciúme tem caráter positivo quando
se aproxima da noção de “zelo”, quando se trata de conservar algo de
grande importância, como a riqueza ou a honra. será negativo quando se
aproxima da avareza, do egoísmo ou de mera insegurança pessoal, explica
carlos Matheus, doutor em Filosofia e professor titular do Departamento
de Filosofia da Puc-SP. Sendo positivo, o ciúme pode justificar uma
ação destinada a impedir a perda. sendo negativo, cria a necessidade de
buscar um valor equivalente ao qual se possa recorrer para substituir o
que se está na iminência de perder.
“Quando negativo, o ciúme pode ser
decorrente de uma baixa auto-estima e, neste caso, a investigação deve
começar pelo exame que o ciumento deve fazer de si mesmo. Ninguém está
isento do ciúme – como uma paixão e como sofrimento – mas todos podem
superá-lo buscando dentro de si algum motivo para atribuir a si próprio
um valor equivalente àquele que se vê em risco, sob a ameaça da perda”,
diz Matheus. Quanto mais seguros nos sentimos a respeito de nós mesmos
ou de quem somos ou do valor que temos, menos corremos o risco do ciúme.
No entanto, sempre estamos sob o risco de perdas.
Assim como toda perda entristece,
viver pressupondo perdas significa uma vida bastante infeliz, explica o
professor do Departamento de Filosofia da Puc-SP. Do mesmo modo, viver
sob a pressão do ciúme é viver sem liberdade ou sob pressão. No fundo,
todas as perdas são dolorosas e causam tristeza, mas saber superá-las é
uma das grandes lições da Filosofia estóica. Neste ponto, Matheus
lembra as palavras de epiteto: “só somos livres nos ocupando das coisas
que só dependem de nós” (Pensamentos, I). o ciúme, neste caso, ocorre
quando sofremos por causas que não dependem de nós.
A Filosofia, mesmo sem pretender ser
edificante, pode indicar o caminho da sabedoria de que fala Aristóteles,
mostrando como as paixões podem ser conduzidas pela “sabedoria
prática”.
Patrícia Pereira- http://amigosdofreud.blogspot.com.br
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