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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

A bela velhice




A bela velhice

Há uma geração que está rejeitando estereótipos e criando novos
significados para o envelhecimento



No livro "A Velhice", Simone de Beauvoir, após descrever o dramático
quadro do processo de envelhecimento, aponta um possível caminho para
a construção de uma "bela velhice": ter um projeto de vida.

No Brasil, temos vários exemplos de "belos velhos": Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Marieta Severo, Rita Lee,
entre outros.

Duvido que alguém consiga enxergar neles, que já chegaram ou estão
chegando aos 70 anos, um retrato negativo do envelhecimento. São
típicos exemplos de pessoas chamadas "ageless" ou sem idade.

Fazem parte de uma geração que não aceitará o imperativo: "Seja um
velho!" ou qualquer outro rótulo que sempre contestaram.

São de uma geração que transformou comportamentos e valores de homens
e mulheres, que tornou a sexualidade mais livre e prazerosa, que
inventou diferentes arranjos amorosos e conjugais, que legitimou novas
formas de família e que ampliou as possibilidades de ser mãe, pai, avô
e avó.

Esses "belos velhos" inventaram um lugar especial no mundo e se
reinventam permanentemente.

Continuam cantando, dançando, criando, amando, brincando, trabalhando,
transgredindo tabus etc. Não se aposentaram de si mesmos, recusaram as
regras que os obrigariam a se comportarem como velhos. Não se tornaram
invisíveis, apagados, infelizes, doentes, deprimidos.

Eles, como tantos outros "belos velhos" que tenho pesquisado, estão
rejeitando os estereótipos e criando novas possibilidades e
significados para o envelhecimento.

Em 2011, após assistir quatro vezes ao mesmo show de Paul McCartney,
perguntei a um amigo de 72 anos: "Por que ele, aos 69 anos, faz um
show de quase três horas, cantando, tocando e dançando sem parar, se o
público ficaria satisfeito se ele fizesse um show de uma hora?". Ele
respondeu sorrindo: "Porque ele tem tesão no que faz".

O título do meu livro "Coroas" é uma forma de militância lúdica na
luta contra os preconceitos que cercam o envelhecimento. Tenho
investido em revelar aspectos positivos e belos da velhice, sem deixar
de discutir os aspectos negativos.

Como diz a música de Arnaldo Antunes, "Que preto, que branco, que
índio o quê?/Somos o que somos: inclassificáveis". Acredito que
podemos ousar um pouco mais e cantar: "Que jovem, que adulto, que
velho o quê?/ Somos o que somos: inclassificáveis".

MIRIAN GOLDENBERG é antropóloga, professora da Universidade Federal do
Rio de Janeiro e autora de "Corpo, Envelhecimento e Felicidade" (Ed.
Civilização Brasileira)

Um comentário:

  1. Como se Morre de Velhice

    Como se morre de velhice
    ou de acidente ou de doença,
    morro, Senhor, de indiferença.

    Da indiferença deste mundo
    onde o que se sente e se pensa
    não tem eco, na ausência imensa.

    Na ausência, areia movediça
    onde se escreve igual sentença
    para o que é vencido e o que vença.

    Salva-me, Senhor, do horizonte
    sem estímulo ou recompensa
    onde o amor equivale à ofensa.

    De boca amarga e de alma triste
    sinto a minha própria presença
    num céu de loucura suspensa.

    (Já não se morre de velhice
    nem de acidente nem de doença,
    mas, Senhor, só de indiferença.)

    Cecília Meireles, in 'Poemas (1957)'

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